"(...) desde o resultado das urnas em outubro de 2022 havia forte inquietação nas lides bolsonaristas. Mesmo com o pronto reconhecimento do legítimo resultado das urnas pelo STF, meios de comunicação e classe política, a criminalização dos atos anti-democráticos e prisão de golpistas mais exaltados e violentos, isso não arrefeceu os ânimos da militância bolsonarista que permaneceu nas portas dos quartéis pedindo um golpe militar. (...)

Após o golpe contra Dilma (2016), a prisão de Lula (7 de abril de 2018) e a eleição de Bolsonaro em 2018 – além da hegemonia política da Operação Lava Jato na opinião pública brasileira, Lula, solto e inocentado depois de 19 meses de prisão, subiu a rampa do Palácio do Planalto em 01 de janeiro de 2023 como presidente eleito para seu terceiro mandato. A posse de Lula foi o coroamento de uma expressiva vitória do campo democrático em nosso país depois de uma dura disputa com Bolsonaro em que este se valeu do aparelhamento da máquina pública, do Orçamento Secreto e da rede de fakenews.

Porém desde o resultado das urnas em outubro de 2022 havia forte inquietação nas lides bolsonaristas. Mesmo com o pronto reconhecimento do legítimo resultado das urnas pelo STF, meios de comunicação e classe política, a criminalização dos atos anti-democráticos e prisão de golpistas mais exaltados e violentos, isso não arrefeceu os ânimos da militância bolsonarista que permaneceu nas portas dos quartéis pedindo um golpe militar. Diante da negativa das Forças Armadas em embarcar em sua aventura golpista, o bolsonarismo redefiniu sua tática. A primeira ação, foi quando da diplomação de Lula, em 12 de dezembro de 2022, quando bolsonaristas queimaram veículos e depredaram patrimônio público. A segunda, os atos articulados de terrorismo que invadiu e destruiu o STF, Congresso Nacional e Palácio do Planalto no último domingo (08/01).

Após a vitória eleitoral de Lula, Bolsonaro permaneceu em silêncio e recluso. Não colaborou para a transição e vivemos algo inédito em que este se colocou na condição de “ex-presidente em exercício”. Bolsonaro é cria do centrão e conhece muito bem os meandros da política em Brasília. Desconfiado da lealdade de seus apoiadores, avaliou que sem a caneta de presidente em pouco tempo estaria isolado e que ele e seus filhos corriam o risco de parar na prisão. Consultou os advogados e rumou para os Estados Unidos, antes da posse da Lula, em uma fuga financiada com dinheiro público em que usou o avião da presidência da República para desespero de seus minguados apoiadores que se mantinham nas portas dos quartéis bradando por seu mito.

Mas mesmo saindo pelas “portas dos fundos”, Bolsonaro tem como prioridade sobreviver. Adotou tom ameno e ambíguo ao repudiar os atos terroristas perpetrados por seus apoiadores em Brasília no último domingo e já avalia retornar ao Brasil já que há pressão de parlamentares norte-americanos sobre o governo Biden sobre sua estadia em terras ianques[1]. Na Itália, outro destino possível de Bolsonaro, onde sua família entrou com pedido de dupla cidadania, movimentações semelhantes ocorrem[2]. O retorno ao Brasil pode se tornar a única opção de Bolsonaro e isso por avaliar que uma ação mais enérgica da Justiça – como, por exemplo, sua prisão – pode desencadear um movimento ainda mais expressivo que o que se viu no último domingo (08/01). Talvez os números da última pesquisa Atlas, divulgada em 10/01/2023, que mostra que 38% dos entrevistados justificam em parte ou completamente os atos terrorista em Brasília[3], criem um novo ânimo no ex-presidente fujão e contribua, na falta de opção, para que adote uma tática de confronto aberto. Além disso é sempre bom lembra que Bolsonaro deixou a presidência da república com aprovação de 39% da população (ótimo/bom) contra 36% (ruim/péssimo), o que é um índice nada ruim diante do descalabro dos seus 4 anos de governo[4].

O terrorismo bolsonarista é uma das últimas cartadas para alterar a soberania da vontade popular que elegeu Lula para o seu terceiro mandato presidencial. O que aconteceu no último domingo, 08 de janeiro de 2023, em Brasília – com a invasão e depredação do STF,  Congresso Nacional e Palácio do Planalto – com o apoio ou pelo menos a anuência do governador do DF, Ibaneis Rocha (afastado do cargo por 90 dias pelo Ministro Alexandre de Moraes)[5] e o ex-secretário de segurança bolsonarista Anderson Torres (que teve a prisão decretada e encontrou-se com Bolsonaro em Orlando, nos Estados Unidos, um dia antes da ação terrorista em Brasília)[6] não é um ato tresloucado de uma turba frustrada com a derrota nas urnas. É um movimento articulado que tem como objetivo manter o bolsonarismo vivo e ativo em nossa sociedade, com capacidade de pautar as instituições e incidir na política.

Houve uma avaliação equivocada do governo Lula quanto a capacidade de reação e articulação do bolsonarismo, algo reconhecido por analistas e setores do próprio governo. Depois de afirmar que os atos bolsonaristas na portas dos quartéis pedindo intervenção militar eram “atos democráticos”[7], o Ministro da Defesa, José Múcio, apenas depois do desastre de domingo, movimentou-se para desmobilizá-los. Isso mostra que o debate sobre defesa e forças armadas é por demais estratégico para ser ocupado por um representante do “baixo clero” no Congresso Nacional (o PTB) e que manteve até recentemente relações muito próximas de Bolsonaro[8].

A derrota eleitoral de Bolsonaro não significa que seus apoiadores tenham se desorganizado e perdido a capacidade de promover e provocar atos de desestabilização que aos olhos de seus seguidores mantenham acesa a chama do fascismo brasileiro. Retomar o controle do DF, como muito bem fez Lula e Alexandre de Moares, que decretaram a intervenção naquele entre federativo é importante mas insuficiente. É preciso agir com rigor para punir os financiadores destas ações antidemocráticas e desbaratar a rede de colaboradores do bolsonarismo dentro e fora do aparato estatal, identificando os principais responsáveis e colocando-os um a um na cadeia.

O bolsonarismo não está morto e a nossa democracia continua em risco.

[1] https://www.seudinheiro.com/2023/politica/jair-bolsonaro-lula-extradicao-eua-brasilia-ataques-visto-ccgg/

[2] https://revistaforum.com.br/global/2023/1/7/exclusivo-deputado-italiano-diz-que-esta-atento-com-possivel-fuga-de-bolsonaro-para-italia-129807.html

[3]https://static.poder360.com.br/2023/01/Pesquisa_Atlas_Invasao_do_Congresso_do_STF_e_do_Planalto_08_09.pdf

[4] https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/12/08/governo-bolsonaro-e-aprovado-por-39percent-e-reprovado-por-36percent-diz-ipec.ghtml

[5] https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/terroristas-golpistas-invadem-congresso-e-planalto-e-planejam-entrar-tambem-no-stf/

[6] https://www.cartacapital.com.br/politica/planalto-foi-informado-de-que-bolsonaro-e-torres-se-encontraram-nos-eua-diz-site/

[7] https://br.noticias.yahoo.com/lula-avalia-que-m%C3%BAcio-errou-141000810.html

[8] https://br.noticias.yahoo.com/bolsonaro-disse-ser-apaixonado-por-ministro-de-lula-que-defendeu-atos-golpistas-184024466.html

 

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Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Sociologia pela USP (2015), possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2002) e mestrado em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (2009). Durante seu doutorado, foi Pesquisador Colaborador Visitante da Universidade de Princeton e Pesquisador do Museu Nacional José Martí / Universidade de Havana. Desenvolve pesquisas nas áreas de Teorias Críticas e Negritude e é membro do Grupo de Pesquisa CELACC/USP. É autor de Clóvis Moura: trajetória intelectual, práxis e resistência negra (Eduneb, 2015).

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