Para Lula o mercado é incoerente ao ficar nervoso quando se trata de investimentos em políticas sociais e de aumento do salário mínimo mas se silenciar diante do rombo das Americanas patrocinado por “um dos seus”.

As declarações de Lula em entrevista a Kennedy Alencar, no último dia 02/02, ao se referir a fraude das Lojas Americanas que contabiliza uma fraude de 40 bilhões de reais.[1]  são muito importantes sobre os rumos de seu governo.

Lula lembra que Lenmann, um dos donos das Lojas Americanas junto com os empresários Marcel Herrmann e Carlos Alberto Sucupira, se apresentava como um empresário bem sucedido e que financiava “jovens para se formar em Harvard para formar um novo governo” e se colocava como o paladino do combate a corrupção mas repete a trajetória de outro empresário, Eike Batista, envolvido em inúmeras denúncias de desvios e desfalques em suas empresas[2].

Para Lula o mercado é incoerente ao ficar nervoso quando se trata de investimentos em políticas sociais e de aumento do salário mínimo mas se silenciar diante do rombo das Americanas patrocinado por “um dos seus”. A pergunta que se faz é porque empresários de trajetórias para lá de controversas conseguem convencer tantos de que se tratam de líderes incorruptíveis e com soluções mágicas para uma economia complexa e diversificada como a brasileira.

Não é de hoje que o mercado corporativo investe em uma espécie de “soft power” que promove figuras absolutamente antiéticas e com comportamentos reprováveis, para dizer o mínimo, como Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg como modelos de empresários inovadores, éticos e que funcionariam como reserva moral do novo capitalismo.

Para além de afirmar que informação é poder; devemos afirmar que imagem é poder, que no novo capitalismo parecer ser é mais importante do que ser – uma ideologia fortemente amplificada pelas redes sociais (o que fez Elon Musk investir 44 bilhões de dólares na compra do Twitter).

Mais eloquente que o silêncio do “mercado” sobre a fraude bilionária das Lojas Americanas são algumas opiniões sobre as pretensões de Lula como presidente em matéria de política externa.

Josias de Souza classificou em comentário recente no Uol de “megalômanas” as pretensões de Lula de uma regulamentação em nível internacional das redes sociais (para combater os grupos extremistas e as fakenews, um dos temas de seu encontro com Biden nos Estados Unidos) e de um novo G-20, mais ampliado, colocando o Brasil como um dos protagonistas na mediação do conflito envolvendo Ucrânia e Rússia[3].

É o complexo de “vira lata” falando alto.

Porque não o Brasil ter um papel protagonista no cenário internacional apresentando propostas e alternativas para temas candentes da agenda mundial? É a mesma reação catastrofista de analistas do deus-mercado diante da proposta do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad de uma moeda comum de transações comerciais entre Brasil e Argentina de maneira a tornar nossas economias menos dependentes do dólar[4].

A economia brasileira está longe de ser algo menor no concerto das economias globais e dos países em desenvolvimento. O fato é que o mantra neoliberal de menos estado social – através das privatizações e drástica redução dos investimentos públicos – e mais estado penal e punitivo – que está na origem das milícias e do fortalecimento de uma visão de mundo de extrema direita entre as Forças Armadas e policiais – não mais se sustenta se desejamos alcançar o mínimo de cidadania e democracia.

O neoliberalismo é um projeto hostil a democracia e semeador de múltiplos fascismos, não só na América Latina como nos Estados Unidos e Europa.

Deixar que o mercado resolva tudo é nos colocar nas garras do fascismo e da extrema-direita, ou seja, um completo contrassenso com aqueles que defendem que só há possibilidade de avançarmos como país através da democracia.

O caso de Lemann e das Lojas Americanas mostra o que é um fato: a falsa premissa de que o mercado tudo resolve magicamente. Este por si só nunca resolveu ou resolverá problemas sociais como, por exemplo, a fome e as desigualdades sociais. Por isso Lula acerta quando endereça seu recado para o mercado.

Além disso, se há um jogo institucional a ser jogado – e que lamentavelmente levou Arthur Lira novamente a presidência da Câmara – há outro que também precisa ser disputado na sociedade e envolve a retomada do crescimento econômico e a melhoria das condições de vida do conjunto da população. O crescimento econômico não virá por obra do acaso ou do mercado por si só.  As Americanas que o digam.

[1] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2023/02/02/kennedy-lula-critica-lemann-e-demonstra-preocupacaocomamericanas.htm

[2] https://www.istoedinheiro.com.br/eike-batista-e-condenado-a-mais-11-anos-de-prisao-e-multa-de-r-871-milhoes-2/

[3] https://www.youtube.com/watch?v=aAAhVXn_MTw A fala de Josias de Souza a respeito das pretensões de Lula começa em 5min e 31s.

[4] https://www.bpmoney.com.br/noticias/internacional/mercado-moeda-sur-como-prejuizo-brasil-entenda

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Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Sociologia pela USP (2015), possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2002) e mestrado em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (2009). Durante seu doutorado, foi Pesquisador Colaborador Visitante da Universidade de Princeton e Pesquisador do Museu Nacional José Martí / Universidade de Havana. Desenvolve pesquisas nas áreas de Teorias Críticas e Negritude e é membro do Grupo de Pesquisa CELACC/USP. É autor de Clóvis Moura: trajetória intelectual, práxis e resistência negra (Eduneb, 2015).

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