Na guerra, a sobrevivência é fundamental, mas também é crucial combater para derrotar o inimigo. Na política, não é diferente. A defensividade tática não implica em recuo estratégico; ao contrário, a primeira serve à segunda. O futuro do país será definido nas eleições de 2024. O mapa eleitoral deste ano vai definir se teremos condições de reeleger Lula em 2026.

No início do século XXI, uma característica marcante é a defensiva histórica da classe trabalhadora, a crise dos partidos de esquerda socialistas e marxistas e, mais recentemente, uma crise capitalista em escala global que fortaleceu a extrema direita nos EUA, na Europa e na América Latina. O expressivo crescimento da extrema direita nas últimas eleições do Parlamento Europeu fez com que, na França, se consolidasse a política de frente ampla (algo que deve ser acompanhado nos demais países da Europa). Por exemplo, a aproximação da esquerda francesa de Macron custará um distanciamento deste na incipiente retomada do movimento pan-africanista que se vê no Mali, Níger e Burkina Faso. Como a esquerda socialista e revolucionária está fragilizada no trabalho de base, tem que depositar suas fichas em frentes eleitorais para conter o avanço da extrema direita. É uma manobra arriscada mas necessária e não difere muito do que vivenciamos no Brasil.

Isso porque vivemos em um capitalismo em que a revolução técnico-científica mantém a divisão internacional do trabalho, sendo o Norte Global o lugar das economias dominantes que concentram a maior parte do PIB do planeta. Essa situação ocorre devido à imposição militar e política da política neoliberal aos países do Sul Global. Esta política neoliberal tem efeitos devastadores para as economias do Sul Global, resultando na retomada da economia de plantation, com a expansão da exploração de recursos naturais e da devastação ambiental para produzir commodities baratas. Essas commodities alimentam a cadeia do Norte Global, reforçando o seu lugar dominante na economia mundial. Portanto, aos olhos do Norte, todo e qualquer movimento ou governo popular, com potencial mobilizador e agregador de massas, é visto como um adversário a ser enfrentado militar e/ou economicamente, adotando inclusive a política de embargo econômico, como acontece há décadas com Cuba e, mais recentemente, com a Venezuela. Sem dúvidas, os Estados Unidos são o centro político e o imperialismo norte-americano é o maior propagador e apoiador do fascismo e neofascismo no mundo, atuando em conjunto com a Europa para evitar a consolidação de um novo eixo econômico liderado pela China e Rússia.

Lula mantém uma posição ambivalente, seja por tentar manter uma aproximação com Biden e os democratas, ora para se credenciar entre os “emergentes” como a principal representação de um mundo multipolar que ainda está em formação. No entanto, uma aproximação mais decidida dos BRICS encontra obstáculos na forte hegemonia do anticomunismo e orientalismo, após anos de trabalho político da extrema direita. A eleição de Lula não significou a derrota da extrema direita. A burguesia tolera Lula, mas ele e o PT jamais serão a opção preferencial da burguesia nacional. Esses setores procuram flertar com o neofascismo para neutralizar as pressões mais à esquerda do governo. Os movimentos sociais e sindicais (com exceção da greve dos federais, MST e MTST) estão apáticos, procurando retomar conquistas após 4 anos de desconstrução das políticas sociais por parte de Bolsonaro.

A maior parte da esquerda brasileira, assim como na Europa, foca na disputa eleitoral como forma de derrotar de vez a extrema direita e se fortalecer como alternativa política. É necessário ter expressão política, capacidade mobilizadora e agregadora para enfrentar o avanço da extrema direita no campo das ideias, valores e na ocupação de posições estratégicas na institucionalidade burguesa. Essa abordagem é essencial, inclusive a ampliação do diálogo e das alianças com setores da direita mais moderada. A ação política da esquerda, no Brasil, está marcada por um ciclo de defensividade histórica, mas é frequentemente realizada de forma descuidada e improvisada pela esquerda brasileira, devido à ausência do debate estratégico e programático em sua agenda, focando exclusivamente na sobrevivência política. Na guerra, a sobrevivência é fundamental, mas também é crucial combater para derrotar o inimigo. Na política, não é diferente. A defensividade tática não implica em recuo estratégico; ao contrário, a primeira serve à segunda. O futuro do país será definido nas eleições de 2024. O mapa eleitoral deste ano vai definir se teremos condições de reeleger Lula em 2026. A esquerda socialista deve integrar frentes amplas para enfrentar a extrema direita de maneira programática, refletindo sobre o atual momento histórico e as principais contradições de classe no Brasil hoje. Para derrotar a extrema direita, é essencial travar uma luta política e ideológica na sociedade civil, conquistar corações e mentes e contribuir para a consolidação de valores democráticos que sustentem os direitos sociais. Como socialistas, é fundamental manter um olhar tanto na luta eleitoral e institucional quanto na luta de classes.

Para alcançar nossos objetivos, é fundamental restabelecer a centralidade do debate programático e estratégico. Devemos refletir sobre as condições atuais do capitalismo no Brasil e a forma como a luta de classes se manifesta politicamente. É essencial analisar como os principais aspectos da dominação burguesa, como a colaboração com o imperialismo norte-americano e o monopólio da terra e dos meios de produção, influenciam no cenário atual. Devemos também considerar que tipo de resposta a classe trabalhadora tem apresentado para os problemas gerados por essas questões.

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Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Sociologia pela USP (2015), possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2002) e mestrado em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (2009). Durante seu doutorado, foi Pesquisador Colaborador Visitante da Universidade de Princeton e Pesquisador do Museu Nacional José Martí / Universidade de Havana. Desenvolve pesquisas nas áreas de Teorias Críticas e Negritude e é membro do Grupo de Pesquisa CELACC/USP. É autor de Clóvis Moura: trajetória intelectual, práxis e resistência negra (Eduneb, 2015).

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