O terceiro governo de Lula apresenta indicadores econômicos positivos, como o crescimento do PIB e […]

O terceiro governo de Lula apresenta indicadores econômicos positivos, como o crescimento do PIB e a queda do desemprego. Contudo, essas conquistas ainda não resultaram em uma política de “ganha-ganha”, como na sua segunda gestão. Para entender essa realidade, é essencial analisar o atual cenário das classes sociais no Brasil.

A burguesia, alinhada ao imperialismo norte-americano, sustenta o neoliberalismo desde o Plano Real (1994), promovendo a financeirização, a desindustrialização e o “desenvolvimento” a partir da exportação de commodities. Em momentos de crise, como nas manifestações de junho de 2013, essa classe apoiou o impeachment de Dilma, a prisão de Lula e a ascensão de Bolsonaro, garantindo, em troca, reformas que afetam a Previdência e o mercado de trabalho.

Dentro da disputa mundial entre Estados Unidos e China e com a guerra na Ucrânia, estreitam-se os mercados e há uma exigência da burguesia financeira por maior cota parasitária de extração de excedente, com pressão nos preços de petróleo e por demandas de ajustes fiscais.

Embora endividada, a classe média não se identifica com os mais vulneráveis. Ao evitar o uso de serviços públicos básicos, traduz dilemas políticos e econômicos em questões morais, o que distancia ainda mais essa classe da realidade dos trabalhadores. Este aspecto se reflete inclusive no campo da esquerda em que é visível uma tendência a um “neoliberalismo progressista” que separa a luta das “minorias” (negros, mulheres e LGBTQIAPN+) da realidade estrutural das classes, aproximando-os dos liberais do partido democrata dos EUA. A isso se soma o fato de que a tradução de avanços em termos de políticas públicas do atual governo é reivindicada pelo centrão através da pulverização de emendas, onde setores da direita fisiológica aparecem como aqueles que promovem obras e escolas.

É um desafio significativo para partidos como PSOL, PT e PCdoB. A nova hegemonia social e política deve reconhecer a diversidade de nossa formação social e as discrepâncias regionais. Em um país com a nossa realidade econômico-social, a esquerda não pode se viabilizar a longo prazo sem promover o protagonismo popular. Aqui, a esquerda precisa ser, acima de tudo, popular.

Por sua vez, a classe trabalhadora, marcada pelo empobrecimento e pela racialização, busca respostas na extrema-direita ou em políticos de centro. Em um contexto de baixa mobilização popular, o cotidiano de individualismo promove a força das ideias da classe dominante, com fragmentação e saídas individuais para os problemas da classe. A falta de um projeto político sólido no governo Lula gera um discurso genérico sobre democracia e governabilidade. Mas democracia para quê? Que transformação devemos almejar para o Brasil? Além disso, um governo de coalização, eleito com pequena margem no segundo turno (o que por si só mostra que a extrema direita é ainda muito forte e influente na sociedade), na ausência de um núcleo político e programático mínimo, tente a se fragmentar em iniciativas desarticuladas e disputas intestinas sem fim. A continuar este cenário a própria reeleição de Lula em 2026 corre riscos. Precisamos afirmar uma democracia popular que equilibre ganhos reais para a maioria com formas de participação direta, a desprivatização do poder e combata a atual política de desinvestimento público.

A ausência de respostas a questões críticas influenciou as recentes eleições municipais. O crescimento de partidos como PSD e PL, junto ao fraco desempenho da esquerda, mesmo com figuras significativas como Boulos em São Paulo indo ao segundo turno, escancara uma ainda maior dependência dos partidos de direita para garantir a liderança necessária à reeleição de Lula em 2026. Se o objetivo é manter o status quo, tal estratégia pode ser válida, mas apresenta um horizonte limitado e consequências perigosas. É mais sensato investir tempo na formulação de um projeto concreto e claro. A vitória de Lula em 2022 foi crucial, mas é fundamental articulá-la com um propósito definido principalmente para os mais pobres, os setores mais explorados da classe trabalhadora.

*Fábio Nogueira, Professor Adjunto da UNEB e militante da Ação Negra

* Venâncio de Oliveira, economista, trabalha com questões socioambientais.

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Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Sociologia pela USP (2015), possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2002) e mestrado em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (2009). Durante seu doutorado, foi Pesquisador Colaborador Visitante da Universidade de Princeton e Pesquisador do Museu Nacional José Martí / Universidade de Havana. Desenvolve pesquisas nas áreas de Teorias Críticas e Negritude e é membro do Grupo de Pesquisa CELACC/USP. É autor de Clóvis Moura: trajetória intelectual, práxis e resistência negra (Eduneb, 2015).

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