"A atual crise política que atravessa o Peru que desde dezembro de 2022 é governado de forma ilegítima por Dina Duarte, que chegou ao poder com a deposição e prisão de Pedro Castillo, e por um Congresso Nacional completamente desmoralizado perante a população daquele país, tem como personagem central: a Operação Lava Jato"

A atual crise política que atravessa o Peru que desde dezembro de 2022 é governado de forma ilegítima por Dina Duarte, que chegou ao poder com a deposição e prisão de Pedro Castillo, e por um Congresso Nacional completamente desmoralizado perante a população daquele país, tem como personagem central a Operação Lava Jato a partir de investigações iniciadas em 21 de dezembro quando “foi publicado um documento do Departamento de Justiça dos Estados Unidos informando que a empreiteira brasileira Odebrecht havia subornado autoridades de 12 países para ganhar licitações de obras de infraestrutura”[1] O documento do Departamento de Estado Norte-Americano sobre a atuação da Odebrecht e a operação de sabotagem a soberania nacional de Sérgio Moro, então Ministro da Justiça de Bolsonaro, ao promover a “colaboração” entre o Brasil e o FBI[2] falam por si sobre a participação dos Estados Unidos nos processos de guerra híbrida que, em nosso país, a partir das fatídicas “jornadas de junho de 2013” agiu para desestabilizar o governo democrático da ex-presidenta Dilma Rousseff (obtendo sucesso com sua deposição em 2016 e a eleição de Bolsonaro em 2018).

Após a saída do ditador Alberto Fujimori do poder em 2000, presidentes democraticamente eleitos – Alejandro Toledo (2001-2006), Alan García (2006-2011) e Ollanta Humala (2011-2016) – foram arrastados na onda de desmoralização política e desestabilização econômica desencadeados pela incursão lavajatista em terras peruanas. Em 19 de abril de 2019, Alan Garcia, ex-presidente peruano, acusado pela Promotoria de participar de um esquema de corrupção envolvendo a Odebrecht, cometeu suicídio alegando perseguição política e afirmando inocência[3], fato que causou comoção mas não parou a máquina punitivista da Lava Jato. Praticamente todos os políticos e personalidades de expressão no Peru foram arrolados e investigados pela Lava Jato em um processo de desmoralização pública sem precedentes.

Após um período de intensa instabilidade política, Pedro Castillo, eleito pelo esquerdista Peru Livre, um professor de origem indígena e andina, superou a candidata da extrema direita Keiko Fujimori, herdeira no “fujimorismo” no país, por uma pequena vantagem de votos nas urnas[4]. Foi um resultado surpreendente e que poderia colocar o país andino na rota dos governos de esquerda ou, na nomenclatura utilizada pelos Estados Unidos e os analistas alinhados com suas ideais, “populistas”. O fato é que Castillo ganhou mas não levou. Sem apoio no Congresso Nacional, cometendo erros de condução política dentro do próprio partido (do qual acabou se afastando), os setores derrotados na eleição presidencial rapidamente se articularam para depô-lo. Na iminência de um processo de impeachment, Castillo destituiu o Congresso para convocar novas eleições (algo previsto na Constituição do país) o que teve o efeito contrário, dado o seu isolamento, inclusive internacional e reforçou a ideia de que desejava aplicar um golpe[5]. Castillo havia sobrevivido a duas tentativas de impeachment e estava na iminência de enfrentar uma terceira sendo acusado, entre outras de “incapacidade moral”, um pretenso “plágio em uma dissertação de mestrado”[6] e “traição à pátria” por propor em entrevista a ideia plebiscito sobre uma saída para o mar da vizinha Bolívia[7], ou seja, o equivalente as pedaladas fiscais que justificaram o golpe contra a ex-presidenta Dilma.

A prisão de Castillo seguiu-se, já em dezembro do ano passado, a uma processo de lutas e mobilizações, em especial, na região andina, liderado por camponeses e indígenas, que exigem a renúncia de Dina Duarte e o retorno de Castillo ao poder[8]. A reação de Duarte foi violenta. Mais de 50 peruanos foram mortos em protestos e manifestações pró-Castillo[9]. A Universidade San Marcos (instituição centenária fundada em 1551) foi ocupada pelas forças policiais de Duarte em busca de manifestantes pró-Castillo após manifestantes vindos de diversas províncias cercarem e ocuparem Lima, a capital do país[10].

Apesar da anarquia reinante, os analistas insistem em apresentar as políticas econômicas do Peru como modelo – Banco Central independente e respeito as “regras fiscais” – em um país em que 80% da população economicamente ativa se encontra na informalidade[11]. É nítido no caso peruano e na região do subcontinente sul americano a convergência entre os interesses dos Estados Unidos e de setores da classe política a favor da reprimarização destas economias mantendo-as distantes de outros centros de desenvolvimento tecnológico e econômico como é o caso da China, Rússia, Índia e África do Sul. As estratégias de guerra híbrida da Lava Jato continuam a pleno vapor em nosso vizinho peruano. Este é um adversário ainda a ser derrotado. Não o subestimemos.

[1] https://www.brasildefato.com.br/2021/03/24/lava-jato-aprofundou-caos-politico-no-peru-e-respinga-nas-18-chapas-presidenciais

[2] https://apublica.org/2020/05/no-ministerio-da-justica-sergio-moro-abriu-as-portas-para-o-fbi/

[3] https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/18/internacional/1555607298_009527.html

[4] https://www.poder360.com.br/internacional/pedro-castillo-e-eleito-presidente-do-peru-com-5019-dos-votos/

[5] https://www.dw.com/pt-br/pedro-castillo-%C3%A9-destitu%C3%ADdo-e-preso-ap%C3%B3s-tentar-fechar-congresso/a-64021451

[6] https://exame.com/mundo/presidente-do-peru-nega-plagio-em-dissertacao-de-mestrado/

[7] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/11/11/presidente-do-peru-enfrenta-processo-por-ter-falado-sobre-conceder-uma-saida-ao-mar-para-a-bolivia.ghtml

[8] https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/12/13/justica-peruana-mantem-ex-presidente-pedro-castillo-preso-pais-registra-protestos-inflamados.ghtml

[9] https://tvbrasil.ebc.com.br/reporter-brasil-tarde/2023/01/crise-no-peru-50-pessoas-ja-morreram-em-protestos

[10] https://minutomais.com/peru-fecha-universidade-de-lima-e-machu-picchu-em-meio-a-agitacao-no-peru/

[11] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/12/26/economia-do-peru-resiste-aos-terremotos-politicos.htm

 

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Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Sociologia pela USP (2015), possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2002) e mestrado em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (2009). Durante seu doutorado, foi Pesquisador Colaborador Visitante da Universidade de Princeton e Pesquisador do Museu Nacional José Martí / Universidade de Havana. Desenvolve pesquisas nas áreas de Teorias Críticas e Negritude e é membro do Grupo de Pesquisa CELACC/USP. É autor de Clóvis Moura: trajetória intelectual, práxis e resistência negra (Eduneb, 2015).

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