Oliver Cromwell Cox nasceu em Porto de Espanha, capital de Trinidad e Tobago em 1901. Sua origem caribenha, desenhava uma região do planeta em que diferentes imperialismos dominaram ao longo dos séculos (o espanhol, o inglês e o francês), algo que terá reflexos em sua obra posteriormente.

Oliver Cox (1901-1974)

1 – Vida e Práxis Política

Oliver Cromwell Cox nasceu em Porto de Espanha, capital de Trinidad e Tobago em 1901. Sua origem caribenha, desenhava uma região do planeta em que diferentes imperialismos dominaram ao longo dos séculos (o espanhol, o inglês e o francês), algo que terá reflexos em sua obra posteriormente. Trinidad, colônia inglesa no Caribe, trazia consigo uma composição étnico racial diversa e desigual, sendo a raça um elemento inescapável e constitutivo das mais variadas esferas de sua vida societária. A composição étnico-racial, nesse ponto, compunha a estrutura das classes sociais e as diferenciava sendo as classes baixas (negras), as classes médias (colored em termos de categoria nativa, ou mestiças em termos de categoria analítica) e as classes altas (brancas) marcada por profunda rigidez na separação entre as classes baixas e classes altas. Trinidad era uma sociedade com algum nível de mobilidade para a classe média de cor, ainda que marcada por uma extrema instabilidade. A ocupação de posições-chave para a manutenção do status um pouco superior adquirido pela classe média de cor estava intimamente associado a um processo de embranquecimento cultural e peneiramento racial em que trunfos materiais e culturais se relacionam a traços fenotípicos e particulares. Diante disso, para esta classe média estava sempre presente o risco de “enegrecer”, ou seja, de decair à classe baixa.

Cox era oriundo das classes médias. Seu pai, William Raphael Cox, após ter trabalhado como capitão de uma escuna de fiscalização da receita, posteriormente, teve ascensão social como agente de impostos do governo. Os Cox, portanto, tinham uma situação financeira razoável. Eram possuidores de uma casa na capital, como também de uma fazenda de cacau no interior da ilha, utilizada como casa de veraneio.

No entanto, no caso dos Cox, essa ascensão social estaria sob riscos de perpetuação para a próxima geração. Os mecanismos de peneiramento social em Trinidad agiam de maneira a criar empecilhos sociais para a classe média de cor. O acesso à educação, um das maneiras de se manter próximo às elites, era regulado por meio de restritas vagas nas escolas secundárias de Trinidad, de modo que para famílias como as de Cox, restava a disputa pelas poucas bolsas oferecidas a alguns jovens muito estudiosos da colônia. Havia dois colégios que ofereciam formação secundária, o St. Mary’s e o Queen’s Royal College e os dois disponibilizavam pouquíssimas vagas para bolsa (cerca de 5 por ano). 

O pai de Cox deveu sua ascensão social ao trabalho como burocrata. Não era um estudioso, nem um erudito e apesar de rigoroso quanto a educação dos filhos, não tinha condições de auxiliá-los nessa empreitada. A função de apoio escolar ficou a cargo do tio de Cox, Reginald Vidale, professor e, posteriormente, diretor da Escola para meninos St. Thomas, onde Cox adquiriu a formação primária. Mesmo com o apoio de seu tio Reginald e a supervisão disciplinadora de seu pai William, Oliver Cox não conseguiu a bolsa de estudos para o ensino médio. Frustrado em seu intento, somadas as questões que envolviam a estruturação e classificação racial e de classe em seu país, Cox definiu seu destino: migrar para os EUA para continuar seus estudos, o que ocorreu em 1919 quando tinha 18 anos. Este foi o mesmo destino de seu irmão mais velho, Ethelbert, que cursou medicina e o segundo, Reginald, que cursou ortodontia.

A cidade de Chicago foi o destino de Cox que acompanhou o irmão que havia migrado anos antes e com o qual passou a viver. No ano seguinte, preparou-se para o ingresso na Universidade, e como não havia cumprido o ensino secundário em seu Caribe natal, matriculou-se no Central YMCA High School. Após concluir o secundário, se gradua no Lewis Institute em Economia e História e no mesmo ano ingressa na Northwestern University, onde adquire finalmente em 1929 o diploma em Direito (objetivo que buscou desde que deixou Trinidad). Neste mesmo ano contraiu poliomielite e teve frustrado seu intento de retornar a Trinidad para exercer a profissão de advogado. Prefere ficar nos Estados Unidos onde se inicia o mestrado em Economia e o doutorado em Sociologia pela Universidade de Chicago, que concluiu em 1938. Formado em Sociologia pela prestigiosa Universidade de Chicago, que tinha como líder Robert Park, não encontrou à sua disposição vagas nas maiores universidades norte-americanas por conta do racismo presente nestas instituições e teve que lecionar em universidades negras que pagavam salários mais baixos. Mudou-se então para o Texas e depois para o Alabama e publicou Race, Caste and Class (1948), obra que lhe conferiu projeção e contribuiu para que se estabelecesse na Universidade de Lincoln, em Oakland, na Califórnia, onde permaneceu até o final de sua vida. Nos anos posteriores publicou a trilogia Foundations of Capitalism (1959), Capitalism and American Leadership (1962) e Capitalism as a System (1964). Foi publicado postumamente, condensando o seu pensamento sobre as relações raciais, Race relations: Elements and Social Dynamics (1974).

2 – Contribuições ao marxismo

Race, Caste and Class (1948), apresentava uma diferença central com os estudos de relações raciais dos epígonos da Escola Sociológica de Chicago que tinha à frente o sociólogo Robert Park. É que para Cox a categoria casta não era válida para compreender um processo de racialização, adscrito ao escravismo e à formação do capitalismo. Raça como marcador social e político, era para Cox, um produto direto da sociedade capitalista. Desta maneira, raça, racismo e relações raciais deveriam ser pensadas como parte de uma estrutura social capitalista mais ampla, sendo um fenômeno histórico ligado a este modo de produção. A leitura de Cox não apenas contrariava a visão de Park e da Escola de Chicago, de caráter mais acomodatício dos conflitos raciais, por conferir historicidade (diacronia) e estrutura (sincronia) ao fenômeno relacionando-o com a formação do capitalismo, como também o rejeitava a interpretação deste como epifenômeno ou um processo menor à formação da sociedade capitalista. Para Cox não é possível dissociar o escravismo do capitalismo em especial a partir da tendência originária, deste segundo, de interligar mercados distantes, destruir e reorganizar economias de maneira que o capitalismo deveria ser pensado em termos de sistema-mundo, historicamente mundializado. É por isso que Cox estudou as origens do capitalismo em Foundations of Capitalism (1959) e a questão do imperialismo em Capitalism and American Leadership (1962) para aí apresentar em sua obra clássica, Capitalism as a System (1964), o conceito de sistema-mundo capitalista, que posteriormente seria trabalhado por Immanuel Wallerstein. Cox entendia que o capitalismo tem sua origem nas praças comerciais do século XV no Mediterrâneo, dando ênfase à formação do comércio mundial que assentou as bases do que viria a se tornar a sociedade capitalista. Foram os comerciantes das cidades do Mediterrâneo do século XV e XVI, como Veneza e Florença, que financiaram as primeiras expedições à Ásia e África e que redundou na descoberta e pilhagem das Américas e Caribe. Comércio mundial e imperialismo, desta maneira, assentam as bases do colonialismo e da formação do capitalismo em escala global, estabelecendo posições estruturalmente diferentes para países metropolitanos, colônias e ex-colônias, algo que será analisado em Capitalism and American Leadership (1962). 

3 – Comentários sobre a obra

A contribuição do pensamento de Oliver Cox ao pensamento marxista está em apresentar uma teoria materialista do racismo em relação estreita com a formação da sociedade capitalista. Desta maneira, capitalismo e racismo são processos históricos devendo ser pensados não apenas a partir da Revolução Industrial inglesa ou a Revolução Francesa, ou seja, no século XIX, mas também tomando por base seus primórdios, a lenta transição entre o feudalismo para o capitalismo que tem como ponto fulcral a emergência das praças comerciais do Mediterrâneo, no século XV e XVI. A relação entre expansão marítima e novas rotas de comércio interligando os mercados da Europa às economias do continente africano e asiático, o colonialismo e o posterior tráfico de escravizados africanos assentam a base do capitalismo não apenas na Europa mas também no resto do mundo. Com base no pensamento de Cox, autores como Cedric Robinson irão definir o capitalismo como capitalismo racial, ou seja, um sistema-mundo que a partir de sua formação originária afirma-se a partir da racialização da força de trabalho e de sua reprodução funcional à reprodução do modo de produção capitalista. Por isso, Cox irá dar ênfase ao caráter comercial e concorrencial do capitalismo e sua relação direta com o imperialismo como fenômeno característico de um modo de produção mundializado que como sistema articula diferentes formas de dominação e exploração da força de trabalho. Podemos afirmar, desta maneira, que Cox aprofunda a interpretação do caráter mundializado, sistêmico e concorrencial do capitalismo, relacionando o racismo, dentro desta perspectiva materialista, não apenas a totalidade do modo de produção a ele relacionado, como as determinações objetivas da divisão internacional do trabalho (países capitalistas imperialistas e economias de capitalismo dependente). Esta interpretação e a sua própria trajetória individual fez com que se afastasse da perspectivas dos nacionalistas negros radicais como Malcom X e os Panteras Negras, por entender que defendiam teses separatistas, e o aproximou do Movimento dos Direitos Civis, liderado por Martin Luther King, tendo uma perspectiva integracionista de superação do racismo e das desigualdades raciais, a partir do componente estrutural de classe.

4 –  Bibliografia de referência

Borda, Erick Wellington Barbosa. Prisma de formação caribenha: a produção social de uma consciência oposicional em C. L. R. James e Oliver C. Cox. Dissertação (Mestrado em Sociologia) Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos, 2018. 

__________________________. “Entre racializações: Oliver C. Cox e a sociologia.” Revista Sociedade e Estado – Volume 36, Número 1, Janeiro/Abril 2021.

COX, Oliver. Cromwell. Raca, prejudice and intolerance: A distinction. 1945. 

 

__________. Estamentos. In. IANNI, Octavio. Teorias de estratificação social: leituras de sociologia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978. 

Pico, Daniel Montañez. Marxismo negro: ensamiento descolonizador del Caribe anglófono. Ciudad de México: Akal, 2020.

Wallerstein, Immanuel. “Oliver C. Cox As World-Systems Analyst”. Research in Race and Ethnic Relations. 11: 173–183, 2000

* Fábio Nogueira é Doutor em Sociologia (USP) e mestre em Sociologia e Direito (UFF). É Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e coordenador do Ija Imo – Grupo de Estudos do Marxismo Negro “Clóvis Moura”. É professor colaborador do Mestrado em Educação para Jovens e Adultos (MPEJA) do DEDC – UNEB, Salvador.

*Márcio Farias  é Doutor e Mestre em Psicologia Social, professor do curso de Psicologia da PUC/SP e autor do livro Clóvis Moura e o Brasil (Dandara, 2019), Editor da Editora Dandara, onde coordena a Coleção Clóvis Moura. Organizou o livro: “Violência e Sociedade: Racismo como Estruturante da Sociedade e da Subjetividade do Povo Brasileiro(2018)” lançado pela Editora Escuta.

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Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Sociologia pela USP (2015), possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2002) e mestrado em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (2009). Durante seu doutorado, foi Pesquisador Colaborador Visitante da Universidade de Princeton e Pesquisador do Museu Nacional José Martí / Universidade de Havana. Desenvolve pesquisas nas áreas de Teorias Críticas e Negritude e é membro do Grupo de Pesquisa CELACC/USP. É autor de Clóvis Moura: trajetória intelectual, práxis e resistência negra (Eduneb, 2015).

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