"Circulou nas redes sociais uma fotografia do Alto Comando do Exército brasileiro formado exclusivamente por generais brancos. A foto não é obra do acaso e deve ser lida como parte do atual desafio do governo Lula de “desbolsonarizar” as Forças Armadas(...)"

Circulou nas redes sociais uma fotografia do Alto Comando do Exército brasileiro formado exclusivamente por generais brancos.

A foto não é obra do acaso e ser deve lida como parte do atual desafio do governo Lula de “desbolsonarizar” as Forças Armadas.

Lula foi indagado a respeito do tema dos militares e sua relação com o Bolsonarismo pela jornalista Ana Lesnovski, do Canal Meteoro, do Youtube, em café na manhã na última terça-feira, 07 de fevereiro, quando este se reuniu com outros representantes da imprensa independente[1].

O presidente respondeu que era necessário retomar a missão constitucional das Forças Armadas e que o “Exército de Caxias virou o Exército de Bolsonaro”[2].

Este é um tema fundamental em que a ausência de negros representados no generalato branco é apenas a ponta do iceberg. A própria formação das forças armadas brasileiras refletem uma tendência antipopular – seja no processos de repressão das revoltas republicanas durante o Império – em que a figura do Duque de Caxias se consolidou – quando do apoio dos militares ao golpe republicano de 1889 que deu aos fazendeiros e latifundiários como “indenização” pela abolição da escravidão um ano antes, o controle do estado brasileiro e a destituição do poder de D. Pedro II.

Foi o Exército brasileiro que, derrotado nas batalhas anteriores, contra o Arraial de Canudos, massacrou os camponeses pobres e negros que resistiram até o fim a incursão das forças militares em 1897 e que mantém no Forte de São Pedro, em Salvador, um monumento em memória dos militares mortos mas que se esquece dos brasileiros assassinados por aquela ação.

Podemos ainda fazer referência a Revolta da Chibata (1910), liderada pelo marinheiro João Cândido, que pôs fiz às torturas praticadas contra praças, em sua ampla maioria negros, através de chibatadas e outros castigos físicos.

Desde pelo menos a Guerra do Paraguai com seus Batalhões de Voluntários da Pátria, em que os negros escravizados eram obrigados a combater pelos seus senhores, líderes e comandantes militares negros como Marcílio Dias, Tenente Marcolino José Dias e Dom Obá II de África deram sua contribuição ao país e as forças armadas sem que seu esforço e sacrifício tenham sido plenamente reconhecidos.

Apenas recentemente, em 2018, depois de ação do MPF, tivemos a implantação de políticas afirmativas para negros para o ingresso nas escolas de formação de oficiais das Forças Armadas, o que contribuiu para a atual política de branqueamento entre o alto oficialato[3].

Isso significa que a presença negra no generalato brasileiro exige mais do que garantir nossa representatividade.

É uma questão de reparação histórica que passa pela ruptura do atual alinhamento das Forças Armadas com a doutrina militar ultrapassada dos Estados Unidos de “caça aos comunistas” e que reproduz a lógica colonizadora contra negros, quilombolas e povos indígenas.

Vivemos em um mundo multipolar.

O Brasil deve se inserir de forma soberana no contexto das relações internacionais como vem fazendo exemplarmente Lula neste início de mandato. A preservação de nossas florestas, a demarcação e titulação de terras indígenas – que passam a ser tornar reservas federais pertencentes a União – o combate a cultura de estupro contra as populações indígenas e ribeirinhas, o enfrentamento ao garimpo ilegal e sua articulação com o capital internacional que o financia são estratégicos para a cidadania e soberania nacional.

O debate sobre a questão militar é muito importante para ser feito apenas por militares ou estar de fora da agenda do campo democrático.

Os movimentos sociais e a sociedade civil como um todo devem tomar parte deste tema tão decisivo para nossa democracia.

Uma Força Armada cidadã e inclusiva é um projeto coletivo por se construir.

Entre o Exército de Bolsonaro e do Caxias, há o Exército de Zumbi, Dandara, Maria Quitéria, Maria Felipa e tantos outros brasileiros e brasileiras que deram seu sangue para termos uma país justo e soberano.

Sem isso, arriscamos tomar outros golpes e continuar a ver nossas Forças Armadas a funcionar como chocadeira de fascistas.

[1] “A pergunta que fomos fazer a Lula em Brasília”. Canal Meteoro. https://www.youtube.com/watch?v=beXiCv1g6jM

[2]https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/02/lula-diz-que-exercito-de-caxias-virou-exercito-de-bolsonaro.shtml

[3]https://blogs.correiobraziliense.com.br/papodeconcurseiro/concursos-das-forcas-armadas-passam-oferecer-cotas-raciais/

 

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Professor Adjunto da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Doutor em Sociologia pela USP (2015), possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (2002) e mestrado em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (2009). Durante seu doutorado, foi Pesquisador Colaborador Visitante da Universidade de Princeton e Pesquisador do Museu Nacional José Martí / Universidade de Havana. Desenvolve pesquisas nas áreas de Teorias Críticas e Negritude e é membro do Grupo de Pesquisa CELACC/USP. É autor de Clóvis Moura: trajetória intelectual, práxis e resistência negra (Eduneb, 2015).

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